O Carnaval de 2024 promete ser o mais vigiado da história, com a intensificação do uso de tecnologias de reconhecimento facial em festas populares pelo Brasil. Apesar da promessa de maior segurança, falhas e erros nos sistemas geram preocupações sobre a efetividade e os riscos à privacidade dos foliões.
Nos últimos anos, 49 festividades em todo o Brasil adotaram o reconhecimento facial como parte de suas medidas de segurança. O impulso inicial veio do caso de um folião detido durante um bloco de carnaval em Salvador, em 2019, que serviu como propaganda para o uso da tecnologia pela Secretaria de Segurança Pública da Bahia.
Erros e Abordagens Indevidas:
O caso de Thais Santos, abordada duas vezes por engano durante o pré-Carnaval de Aracaju, ilustra os perigos da tecnologia. A jovem foi vítima de falhas no sistema de reconhecimento facial, sofrendo constrangimento e trauma.
A contora Ivete Sangalo comandava o trio elétrico em Aracaju, no bloco do pré-Caju, no dia 4 de novembro de 2023. Thais Santos, de 31 anos, foi abordada por policiais por duas vezes em poucas horas. Sistemas de reconhecimento facial a apontaram com uma pessoa com mandados de prisão em aberto. O que era para ser um festejo de pré-carnaval se tornou um trauma que a marcou profundamente.
Ela não foi a primeira nem a última pessoa a ter seus festejos interrompidos por erros de tecnologias de inteligência artificial.
49 festividades ao redor do Brasil foram monitoradas com tecnologias de reconhecimento facial nos últimos quatro anos, segundo dados inéditos produzidos pelo O Panóptico, um projeto do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania que monitora a adoção de novas tecnologias pelas forças policiais.
Aumento da Vigilância:
Dados revelam que o uso de reconhecimento facial em festivais cresceu exponencialmente. Em 2023, foram mais do que o triplo do total dos três anos anteriores.
Nordeste como Pioneiro:
Os estados do Nordeste se destacam na adoção da tecnologia. A Bahia, por exemplo, investiu R$ 600 milhões em reconhecimento facial, enquanto problemas como a violência policial aumentam.
A prisão de um folião durante um bloco de carnaval em Salvador, em 2019, foi o pontapé inicial desse novo ciclo de uso disseminado de algoritmos de reconhecimento facial por polícias ao redor do Brasil. O caso virou uma peça de propaganda da Secretaria de Segurança Pública da Bahia, que alardeou o fato de que a tecnologia poderia reconhecer até mesmo pessoas fantasiadas no meio de uma multidão. Desde então, o governo baiano ultrapassou a marca de mais de mil pessoas presas com o uso da tecnologia.
Casos em que os sistemas foram usados em festividades só aumentaram.
A Bahia teria registrado um aumento assustador da violência policial. Entre 2015 a 2022, aumentou mais de 300% o número mortes decorrentes de intervenção de agentes do estado, uma marca da gestão do petista Rui Costa, atual chefe da Casa Civil, à frente do governo da Bahia.
Críticas e Preocupações:
A sociedade civil critica a falta de transparência e os riscos à liberdade individual. O caso dos relógios "inteligentes" em Recife, que permitem a coleta de dados biométricos, é um exemplo.
Falhas e Reincidências:
Erros no reconhecimento facial já causaram detenções indevidas em eventos como o Réveillon no Rio de Janeiro. A reincidência da PM do Rio demonstra a necessidade de aprimoramento do sistema e do banco de dados.
Falta de Responsabilização e Regulamentação:
Até o momento, não houve responsabilização pelos erros e a LGPD Penal, que regulamentaria o uso de dados para segurança pública, ainda não foi aprovada. A lei se propõe a regulamentar a captura, o tratamento e o uso de dados pessoais para fins de segurança pública, segue adormecida nos escaninhos do Congresso Nacional.
Além de Bahia e Sergipe, Pernambuco também tem tentado avançar no tema da vigilância com uso de biometria facial.
Outros festejos pelo país também têm sido alvo de monitoramento por parte das forças policiais, como as festas juninas, que reúnem milhares de pessoas pelo país, principalmente no Nordeste. Pernambuco usou a tecnologia em pelo menos três eventos nos últimos anos, assim como o Rio Grande do Norte e Roraima.
A utilização de reconhecimento facial em eventos públicos levanta sérias preocupações sobre a privacidade e a liberdade individual. A falta de regulamentação adequada e o potencial de uso indevido dos dados coletados geram um clima de insegurança e desconfiança.
O Carnaval de 2024 será marcado pela intensificação da vigilância. Apesar das promessas de segurança, falhas e a falta de regulamentação geram preocupações. É fundamental que o debate sobre o uso de tecnologias de reconhecimento facial seja aprofundado, considerando os riscos à privacidade e os direitos dos cidadãos.
No contexto brasileiro, é uma triste realidade que a proteção dos direitos dos cidadãos muitas vezes fica em segundo plano, enquanto políticas que restringem liberdades fundamentais avançam rapidamente. Este paradoxo se torna especialmente evidente durante o Carnaval, quando milhões de pessoas celebram em todo o país. No entanto, o que muitos não percebem é que, enquanto dançam nos blocos e assistem aos desfiles das escolas de samba, estão sendo observados por sistemas de vigilância que carecem de transparência e eficácia. O Carnaval, uma festa conhecida pela sua alegria e liberdade, agora se vê sob a sombra da vigilância, onde até mesmo momentos de diversão podem ser interrompidos pela falibilidade desses sistemas. Este cenário levanta questões importantes sobre privacidade, segurança e os limites do poder do Estado em uma democracia.
Fonte: O Panótiico e Intercept Brasil